domingo, 13 de novembro de 2011

QUANDO O SILÊNCIO TOCA AS FOLHAS DAS ARVORES -Lucilene Machado & Leonardo - Deu Mêdo



QUANDO O SILÊNCIO TOCA AS FOLHAS DAS ARVORES



A madrugada a surpreendeu de blazer e sapato de salto.
Indesculpavelmente vestida, sem coragem para um banho.
Aproveitou para olhar a cidade, 
o silêncio passeando por entre as folhas das árvores, completamente, imóveis. 
Todos os segredos da noite só para ela.
E, se existisse outro alguém acordado naquele instante,
estaria, provavelmente, dentro de uma outra noite.
Porque cada ser é mais belo dentro de sua própria noite.
Depois, há lugares e momentos que só podemos viver sozinhos. 
Há olhares que são únicos. Há pensamentos castos. 
Há verdades incompartilháveis.
Há momentos em que ficamos estreitos,
nos afunilamos tanto em nós mesmos que chegamos a tramar ou,
conspirar desejos secretos. 




E ela queria mesmo ficar só.
 Preferia o chá solitário na madrugada - ridiculamente vestida -
a ter de ir dez vezes à toalete para verificar se o cabelo continuava intacto, 
se o rímel não havia escorrido, se o batom não se desbotara
pelas tantas vezes que o copo fora à boca na tentativa de evitar frases ambíguas ou para não se render diante da luz íntima
desenvolvida para seduzir. 
Por tudo isso, ela preferia a solidão a ter de se curvar 
à doçura de um sorriso que a conquistou na imprudência de uma distração. 
Preferia o egoísmo de querer a noite só para si 
a ter de se extasiar diante do charme da história dele. 
História, misteriosamente, guardada que ele revelava em pequenas porções 
até torturar seu olhar deslindador curioso querendo ir além 
e tendo de se contentar com a medida de um conta-gotas. 




Nada de sobejar afetos! 
Embora fosse capaz de engolir a saliva dele com paixão e chá, recuava-se!
Era melhor aquele viver de boca fechada, 
aquelas ervas com sabor de flores ardendo por dentro.
Nem sabia se estava certa em uas teorias, mas tudo haveria de passar
e daqui a pouco quando o silêncio tocar novamente as folhas das árvores
não mais se lembrará da existência dele. 
E não ouvirá mais a mesma música, nem lerá o mesmo poema,
nem escreverá textos líricos em papéis amarelados. 




 Um terço de sua mente estava ocupada com essas bobagens.
O restante saltava por cima para a contemplar a página 81 do livro
que ela resolvera abrir para adiantar um pouco a leitura. 
Um tratado acerca da literatura medieval.
A coisa mais maçante que um leigo pode encarar. 
Mas ela não queria ficar devendo esses conhecimentos.
Franzia a testa, olhava firme para as letras, mas, cadê a concentração?
Devia ser por causa da tal terça parte.
A matemática opõe-se diametralmente à literatura.
Aliás, a matemática é metálica e arranha o coração
quando tenta determinar a quantidade da ilusão que resta. 
Que coisa mais racional!




E quem já não se viu equacionado num “todo” ou num “vazio” ? 
Definitivamente, ela  não aprendeu a lidar com  pesos e  medidas.
Fora aluna indisciplinada, derrapou na reta do conhecimento lógico
e quebrou  a cara  porque não soube prever a velocidade de dois corpos. 
Os poetas e filósofos nunca a preveniram, só estimularam:
“Tudo vale a pena se alma não é pequena.” E agora Fernando Pessoa, 
continuaria ela a lançar o olhar de asas sobre as árvores?
Continuaria a se conformar com Stendhal: "Possuir é nada, desejar é tudo"? 




Deixou que o silêncio levemente lhe tocasse o rosto.
O silêncio que já lhe tocara antes e que lhe tocará depois.
O silêncio que só fala do silêncio. 
O silêncio que é belo sem ter porquês. 
É porque é. Assim é, assim seja.  



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Leandro  -  Deu mêdo


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